."Viver é a coisa mais rara do mundo, a maioria das pessoas apenas existe".Oscar Wilde .
Terça-feira, 2 de Outubro de 2007
Alqueva " O Grande Lago"

... haverá na Europa algum espelho de água artificial maior do que o Alqueva? Não há, e também não deverão existir muitos locais com tanta beleza e potencial turístico. Para o futuro, estão prometidos projectos de grande dimensão. Por enquanto, as águas estão calmas, mas não paradas. Há vida no Alqueva, “O Grande Lago”

Alqueva

Numa conversa já com mais de cinco anos, um amigo alentejano, num misto de orgulho e mágoa, dizia-me: “Escrevem sempre maravilhas acerca da nossa terra. Exortam as paisagens, a melancolia, o tempo que parece não passar. Mas será isto bom sinal? Não queremos que ele passe a correr, mas gostávamos de evoluir no tempo”. Apenas parte de uma saudável batalha de argumentos à volta do futuro da região. Eu, afirmando que a tábua de salvação do povo alentejano seria uma forte e estruturada aposta no turismo. Ele, defendendo que primeiro era necessário dar às pessoas bens tão básicos como a água, num território conhecido pela seca. Numa coisa estávamos de acordo: a importância da barragem do Alqueva, na altura em construção.

Os anos passaram, a barragem e “O Grande Lago” nasceram – com os seus 250 km2 de superfície, 83 km de comprimento e 1160 km de margens – mas só agora se começa a falar verdadeiramente de grandes projectos. O mais mediático, denominado Parque Alqueva, da responsabilidade de José Roquete , foi apresentado recentemente. Orçado em mil milhões de euros, promete ocupar mais de dois mil hectares, com hotéis, moradias, campo de golfe, marina, campos de férias para jovens, infra-estruturas desportivas e instituto do ambiente. Quase na mesma altura, José Sócrates anunciou que a conclusão do projecto global do Alqueva vai ser antecipada em dez anos, isto é, para 2015. Segundo o mesmo, a bem do turismo, da modernização agrícola, da produção de energia eléctrica, mas, acima de tudo, da população.

Alqueva

O investimento e o progresso parecem chegar, finalmente. Ainda assim, a pergunta impõe-se: sairão os alentejanos verdadeiramente beneficiados? Não descaracterizará a região? Esperemos que não, mas, prevenindo, fomos ver o que “O Grande Lago” tem neste momento para nos oferecer. E, surpreendam-se, pois já não é pouco. Continuam lá os sabores e saberes tradicionais, mas já florescem os pequenos empreendimentos e, acima de tudo, multiplicam-se as paisagens soberbas. Afinal, não é em qualquer parte do mundo que podem ver-se aldeias ribeirinhas em plena planície; centenas de pequenas ilhas, muitas vezes apenas compostas por uma ou duas azinheiras; dezenas de estradas que desaguam no lago, ou porcos pretos a passearem-se sossegadamente pelas margens.

 Alqueva

Dia 1
Monsaraz > Mourão > Luz á Estrela > Noudar.

Não deixa de ser estranho que, num Alentejo tradicionalmente a braços com a seca, se sucedam agora várias tabuletas a indicar um qualquer pequeno ancoradouro. Como aquele que pode encontrar pouco antes de chegar a Monsaraz – partindo de Reguengos –, onde pequenos barcos ondulam ao sabor da solidão, numa espécie de convite irresistível a marinheiros de água doce de ocasião. O postal ideal para começar a visita, poucos minutos antes de entrar em Monsaraz, uma das vilas que melhor conserva a sua história e que, por isso, concentra grande diversidade de oferta turística.

 Alqueva

O castelo e as muralhas chamam do alto do promontório – as chamadas “Fortificações de Monsaraz”  – desta antiquíssima povoação de sedutoras ruas estreitas, rodeadas de pequenas casas de xisto, lojas de artesanato e produtos regionais, entre eles, tapeçaria, vinhos, mel e cerâmica. Contudo, apesar da beleza deste quadro que convida a agradáveis passeios a pé, se estiver na hora da refeição, não hesite em partir em direcção a Mourão.

Esta vila vizinha tem também um castelo com uma vista de eleição para as suas casas brancas e para a Albufeira do Alqueva, mas é devido ao famoso restaurante Adega Velha que muitas pessoas não esquecem o nome da terra. Trata-se de um local extremamente acolhedor, de típica cozinha alentejana – desde já fazemos a nossa vénia ao cozido de grão – e animado pela boa disposição das suas gentes locais, numa amostra genuína daquilo que de melhor há no Alentejo.

 Alqueva

Ora é precisamente o ambiente que falta à aldeia da Luz, logo ali ao lado, talvez o mais badalado nome de todo o universo Alqueva. Como estarão lembrados, a antiga aldeia ficou submersa e foi construída outra de raiz. O objectivo era fazer uma réplica, mas os homens que trataram de a “afundar”, não se coibiram de “meter água por todos os lados” e presentear os seus habitantes e o país com uma aldeia – se assim se lhe pode chamar – sem vida, sem chama, sem vegetação, onde quase não se vêem pessoas, ou uma simples flor. Salva-se o contemporâneo Museu da Luz, mesmo junto ao lago, onde se recuperam e visionam memórias do passado. Um cenário que seria suposto evitar, mas que, curiosamente, devido a estas mesmas razões, ganha um interesse acrescido. De volta à estrada, e já depois de comprado um belíssimo queijo de ovelha na Queijaria Alçaria, a também ribeirinha aldeia da Estrela merece uma visita, quanto mais não seja para conhecer o novíssimo restaurante Sabores da Estrela. Trata-se de um local moderno, quase sentado em cima da água, que revela hoje o que de melhor pode vir a ser a região do Alqueva no futuro. Para o primeiro dia, contudo, já chega de água, e nada melhor do que aproveitar a proximidade do Parque de Natureza de Noudar, a caminho de Barrancos, para passar a noite num cenário completamente diferente. É certo que já não está nas margens do Alqueva, mas será quase um crime estar por esta zona e não passar lá. .

 Alqueva

Dia 2
Noudar > Barrancos > Noudar

Assim que se chega ao Parque de Natureza de Noudar, situado a cerca de dez quilómetros da vila barranquenha, uma distância percorrida numa estrada de terra, e contemplamos os seus 1000 hectares, a sensação é de que chegámos ao fim da linha. A civilização passa a ser um universo distante, desaparece também o Alentejo tal como o conhecemos, e à memória vêm imagens do continente africano.

 Alqueva

As árvores sucedem-se, abrem-se trilhos perante a vegetação, ideais para percorrer de todo-o-terreno ou em caminhadas de longas horas, ouve-se o cantar das várias espécies de pássaros, florescem dezenas de flores, cogumelos e espargos selvagens, e, como se não bastasse, há ainda a hipótese de ver javalis  – não é garantido que cumprimentem sempre os visitantes, mas nós tivemos sorte)...

O alojamento é feito no próprio parque, na Herdade da Coitadinha, que, além do conforto de uma tradicional propriedade agrícola, oferece uma fantástica vista, de onde se destaca o castelo. Mas não se pense que é um castelo qualquer... este é talvez dos menos conhecidos do país, outrora abandonado, e também dos que melhor se integra na paisagem, daqueles monumentos que não se visitam por obrigação histórica, mas por real prazer, oferecendo-nos uma inigualável sensação de liberdade, como se tivéssemos descoberto um local até à data desconhecido, e que passaremos a reclamar como nosso. O dia não pode, contudo, deixar de ser concluído sem uma visita a Barrancos. Mais um daqueles locais em que parece não existir nada para ver, muito menos para fazer, mas que ganha um valor inesperado devido à sua dimensão social. Sem que alguma vez tivesse reflectido sobre o assunto, via-me com uma estranha e intensa vontade de conhecer as suas gentes – as mesmas que durante muito tempo tiveram no conterrâneo Zé Maria o seu maior herói (o vencedor do primeiro Big Brother), e que desde tempos ancestrais vibram com as touradas de morte. A curiosidade intensifica-se ao ouvir os seus habitantes. Ouvir, porque nem sempre se compreende, uma vez que têm um dialecto próprio, o barranquenho, uma mistura de português e castelhano, herdado dos tempos do contrabando, outrora arma essencial para que se pudessem entender nas trocas comerciais com os nossos vizinhos, mas acima de tudo para que os guardas fronteiriços não os compreendessem.

Alqueva

Ainda assim, não tenha medo de dizer que não percebe. A reacção mais comum será a simpatia e, por acréscimo, um desfilar de várias histórias, que pode ouvir, por exemplo, sentado à mesa do restaurante “A Esquina”, enquanto degusta uns espargos selvagens com ovos, ou uma receita de porco preto.

À saída, com a noite já alta, coberta pelo silêncio, pode ter a mesma sorte que nós e lá ao longe ouvir um suave sussurrar de cantares alentejanos. Vêm do pavilhão da vila, onde alguns homens ensaiam. Um momento inesperado e – perdoem-me o excesso de sensibilidade – quase arrepiante.

Alqueva

Dia 3
Noudar > Moura > Alqueva > Amieira > Portel

Depois de mais uma noite no Parque de Natureza de Noudar, voltamos para junto do Alqueva, em direcção a Moura. É uma cidade tipicamente alentejana, pequena, com o seu casario caiado, com jardins e agradáveis locais para usufruir do sol à sombra, com o castelo da praxe (reaberto ao público recentemente, depois de obras de recuperação) e uma mouraria que representa um importante testemunho do poder muçulmano antes da reconquista cristã. As Igrejas Matriz, do Carmo, de São Francisco ou São Pedro, e alguns edifícios senhoriais também merecem um olhar atento, tal como o Lagar de Varas do Fojo, onde poderá ficar a perceber como era produzida a gordura que quase toda a gastronomia portuguesa tem como base: o azeite. Por falar em sabores, e quase sem dar por ela, verá que já passou uma manhã, e que está na hora de recarregar baterias, por isso, nada melhor do que sair do museu e entrar no “O Bem Disposto”. Este moderno e colorido bar/restaurante é propriedade de um jovem lisboeta, que se enamorou em Moura e por Moura, e encontrou nas águas do Alqueva o local ideal para praticar um dos seus desportos de eleição: windsurf. Quem diria que há alguns anos este desporto se praticaria em plena planície alentejana!

 Alqueva

Esta é, sem dúvida, outras das mais valias d’ “O Grande Lago”: não só observar as magníficas paisagens que o espelho proporciona, mas ver a partir dele, fazendo um passeio de barco. Pode alugá-lo poucos quilómetros a seguir a Moura, junto à estrutura da barragem propriamente dita, ou na Amieira, onde já está a ser construída uma marina. Guardámos este passeio para o fim, porque a partir daqui, mais do que as palavras, contam as sensações, e estas, à forma de cada um, são únicas, em passeios que podem ser de apenas 30 minutos ou durar o dia todo. Se o calor já apertar, aproveite para dar um mergulho, ou visitar todas as aldeias ribeirinhas, pois a duração e o destino é à vontade de cada um, sendo que também já estão disponíveis pequenos iates, em que pode pernoitar.

 Alqueva

Depois desta experiência, os que ainda tiverem paciência para voltar à estrada, podem sempre passar pela aldeia que deu nome ao lago, ver uma criação de avestruzes, poucos quilómetros à frente, e terminar em Portel.

 Alqueva

De volta a casa lembro-me uma vez mais da conversa com o meu amigo alentejano. É verdade que um verdadeiro viajante não pode deixar de ver a realidade social do local por onde se passeia e, por estas terras, há ainda muito por fazer. No entanto, seria igualmente um crime não exortar a beleza do cenário... E essa é incomensurável. Desejo que não se cometam aqui os erros de outras paragens, porque estas gentes merecem, e ao país já faltava um paraíso assim.

 Alqueva

Dia 1 | 73 km
Monsaraz > Mourão > Luz á Estrela > Noudar


Partindo de Monsaraz, siga pela N256 em direcção a Mourão, onde chegará cerca de 14 km depois. Logo à saída de Mourão, na N385/R385, vire à direita para a aldeia da Luz, que alcançará em menos de cinco minutos. Para sair tem de fazer o percurso inverso, e voltar para a mesma estrada nacional, seguindo para a Estrela. A partir desta aldeia, tem de continuar pela N385/R385 até à Amareleja. Siga pela N386 até Barrancos. Pouco antes de chegar ao centro encontrará uma placa com indicação de Noudar. Depois de 10 km em piso de terra, e cerca de 80 km após o início da viagem, estará no Parque de Natureza de Noudar.


Siga o caminho de terra quase até Barrancos e depois vá em direcção ao centro da vila. Para regressar ao Parque o trajecto é o mesmo.

 

Dia 3 / 110 Km 

Noudar > Moura > Alqueva > Amieira > Portel

Depois da estrada de terra que o levará de volta até junto de Barrancos, siga pela N386, passe por Amareleja e, ao quilómetro 48, vire à esquerda, para a N255/R255, em direcção a Moura. Partindo de Moura, tem de voltar à R255, onde, cerca de 18 km depois, passará junto à barragem. Imediatamente a seguir está a aldeia de Alqueva e, posteriormente, Amieira. Nesta pequena aldeia, na primeira rotunda, tome a direcção de Portel

 

Alqueva

Dia 2 | 20 km
Noudar > Barrancos > Noudar
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publicado por AntonioCasteleiro às 00:01
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1 comentário:
De Motoqueiros Selvagens - Brasil a 16 de Novembro de 2011 às 17:31
Parabéns pelas publicações. São ótimas! Nós também adoramos viajar de mot nos finais de semana!

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Este blog é um espaço de análise e opinião. Da minha análise sobre factos e coisas do dia a dia, e da opinião que à cerca delas vou construindo. Sobre o que escrevo, muitos dos que me lerem Estarão de acordo e muitos outros discordarão. Não há mal nenhum nisso. Assim uns e outros saibam Respeitar uma opinião contraria.Antonio Casteleiro

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